O Salário do Medo (1953)


Olá, meus caros.

Na análise de hoje o esplêndido filme "O Salário do Medo", de Henri-Georges Clouzot. Obra-prima do cinema francês, é descrito como clássico do Cinema Mundial. Simplesmente inigualável em inúmeros critérios.

Tensão! Creio que esta seja a melhor palavra para caracterizar a grandiosidade desta obra. O roteiro, as atuações, o método de filmagem é além do inacreditável, tudo isso consubstanciado com o suspense irrefreável, tornam "O Salário do Medo" um filme ainda por ser superado.
               
Lembro de inteirar-me sobre tal película através de meu vizinho, um senhor extremamente afável. Ele disse-me: "Já que você gosta de filmes antigos, já deve ter assistido O Salário do Medo, certo?". Meio envergonhado por nunca sequer ter ouvido falar do filme em questão, respondi: "Não, coronel. Nunca assisti." Ele franziu o cenho, olhou-me nos olhos e retorquiu: "Então, meu caro, aconselho-lhe à assistir". Foi um dos melhores conselhos que havia recebido naquele ano.

Mas o que torna O Salário do Medo tão suntuoso?
    
A começar pela direção de Clouzot (Que consagrou-se na história do cinema com esse trabalho), o elenco, passando pelo período em que o filme é ambientado, até o roteiro e a maneira que ele foi explorado, são os fatores chave para o êxito desta produção.
               
O enredo é consideravelmente simples. Um dos poços de petróleo de uma empresa estadunidense (SOC),  localizado em um país não mencionado da América do Sul, sofre um acidente e acaba lamentavelmente sendo incendiado. A única maneira de parar o vazamento é com o uso de explosivos. Como se a situação já não estivesse custosa, o único explosivo disponível para esse desastre encontrava-se na sede da empresa, que por sua vez, distava 500 quilômetros do poço. O petardo em questão: Nitroglicerina. Dois caminhões, carregados com este infernal líquido, precisariam ir de uma cidade a outra para interromper o vazamento. Não obstante, a estrada que liga os dois pontos é mais danificada que a BR-235 em dia de chuva. Entenderam o porque da tensão?

    
          Lembra da Fonte dos Desejos? Atualmente ela é de Petróleo. 
Isso nos leva a segunda parte do enredo: Quem seriam os motoristas dos infames caminhões?

No país em que o filme é ambientado, em especial na cidade sede da empresa, existem dezenas de imigrantes que saíram de sua terra natal em busca de emprego. Eles podem ter encontrado tudo nessa aventura, menos algum ofício. Por não possuírem dinheiro para pagar as taxas da alfândega, e consequentemente voltarem para seu país de origem, a cidade tornou-se um reduto de desempregados. Nesse quadro, a empresa de petróleo oferece pagar todos os custos alfandegários para quatro voluntários. A missão deles... Você já pode imaginar.
                           
Vida chata, né?
Eis que surgem nossos quatro protagonistas!
     
O primeiro deles, o quase playboy da Córsega, Mario. Interpretado por Yves Montand, que na época ainda não era um ator tão renomado, Mario simplesmente não aguenta mais a vida enfadonha que leva, e deseja mais do que tudo sair do país. Tal papel foi merecidamente aclamado. Montand capta toda a angústia de sonhos não realizados e transforma em uma virtuosa atuação. A maneirismo de Mario é singular... Você se importa com o personagem na grande maioria das cenas, apesar de sua impertinente personalidade. No fundo, ele é apenas uma pessoa tentando sobreviver nas veredas da vida.
Yves Montand, interpreta Mario, o aspirante a bon-vivant. 
Charles Vanel da vida ao ex-criminoso Jo, o segundo de nossos "heróis". Apresentado inicialmente como uma pessoa versada e experiente, Jo deixa por transparecer, a partir da metade da trama, seu verdadeiro "eu". Uma pessoa que atribui a velhice, a culpa por sua covardia. Somente no fim do filme, Jo se redimi perante suas ações e realiza um ato de bravura (Pelo menos a visão dele próprio).

Jo, o Covarde Corajoso.
O alemão Peter van Eyck, representa Bimba, homem que retêm o infortúnio de ter tido os pais assassinados no regime nazista. Personagem bastante centrado, sangue-frio e persistente. Em muitos aspectos Bimba é o oposto de nosso próximo intérprete.
          
Por fim, temos Luigi (Folco Lulli), pessoalmente meu personagem favorito. Luigi é um pascácio sujeito, extremamente robusto e ao mesmo tempo de coração-mole. Por ter trabalhado desde sua infância como pedreiro, Luigi infelizmente descobre que está padecendo por inalação prolongada de pó de cimento. É, meus caros, os pulmões dele estão virando pedra. Literalmente! 
         
Os poucos momentos cômicos do filme ficam por conta de Luigi. De personalidade bastante espontânea, sua figura nos faz encontrar comprazimento nos momentos menos esperados.
          
Depois de muito meditar nos longínquos templos da península de Kola, creio ter descoberto o porque da escolha de colocar-se Bimba e Luigi no mesmo caminhão. Talvez  tenha sido uma homenagem aos patriarcas da contraposição de personalidades, "O Gordo e o Magro". Em algumas cenas conseguimos sentir um pouco do sentimento nostálgico que a lembrança de Laurel & Hardy nos trás. Imagino que os produtores nem pensaram nisso, contudo, tornou-se (Pelo menos em meu caso) uma coincidência digna de ser salientada.  




Estes são os 4 principais personagens da trama, porém, sinto-me imensuravelmente obrigado a comentar sobre Linda, interpretada por Vera Clouzot. Filha de um comerciante local, Linda possui um amor descomedido por Mario, que por sua vez, a trata de forma quase sadística. Religiosa e inocente, a beleza de Linda se destaca em todas as cenas em que aparece.
     
A caráter de curiosidade, posso ressaltar (Para aqueles que ainda não perceberam) que Vera Clouzot é a esposa de Henri-Georges Clouzot. Ela apareceu em apenas 3 filmes, todos dirigidos pelo esposo. Não obstante, meus caros, Vera Clouzot é brasileira! É isso mesmo! Ela nasceu no Rio de Janeiro e imigrou para França na sua adolescência. 

A bela Vera Clouzot interpreta Linda, o Amor negligenciado. 
Partirei agora, meus caros, para a análise das generalidades da produção.

A narrativa do filme inicia-se em uma cadência normal, nunca deixando de lado a excepcional direção de arte. Os personagens são apresentados e a trama toma corpo, para que, à partir da metade do filme, o suspense impere.
    
O Salário do Medo é um dos poucos filmes que me fizeram vilipendiar a respiração. Acreditem, meus queridos, respirar se torna secundária quando vê-se um caminhão carregado de nitroglicerina subindo um barranco prestes a desmoronar. 

                                            Você teria coragem?

A relação entre os personagens, em especial a rivalidade, é muito bem abordada. É nesse momento que indiscutivelmente sentimos que um bom roteiro consegue levar um filme costas (Não que esse seja o caso). Os diálogos são trabalhados de maneira ímpar, constituídos de todos os valores intrínsecos das relações humanas. Clouzot faz um frio retrato do ser humano quando exposto a situações extremas. Os personagens são cúmplices de sua própria degradação.  
   
Seguindo esse raciocínio, são nas partes finais do filme que fica mais evidente o porque dele ser considerado uma obra-prima (Muito semelhante com "O Tesouro de Sierra-Madre").
               
Dos demais elementos cinematográficos como, fotografia, edição, figurino e afins, não há muito o que ser discutido. Tudo molda-se perfeitamente ao filme. Os ângulos das tomadas foram muito bem lapidados por Clouzot, transmitindo vivacidade a todo momento. Na primeira metade do filme, as cenas são bem abertas, muitas vezes mostrando o horizonte. No decorrer do mesmo, os planos reduzem-se e diversas cenas são feitas apenas com o rosto do protagonista em quadro, deixando visível o sentimento de desespero que todos passavam.
      
A trilha sonora é ausente na maior parte do filme (Principalmente à partir da metade). Todavia, este é um recurso clássico de filmes de suspense, usado para aumentar a expectativa e a tensão das cenas. Não há muito o que ser comentado aqui.

                               A Bíblia dos protagonistas.
  Tanto Yves Montand como Charles Vanel contraíram conjuntivite depois dessa cena.  
O Salário do Medo é baseado na obra homônima de Georges Arnaud, escritor francês extraditado que presenciou a condição dos trabalhadores sem sindicato da América do Sul e Central. Uma das críticas do filme reside nas relações de imperialismo dos EUA sobre as outras nações americanas. A empresa de petróleo (Southern Oil Company - SOC) importa-se apenas com o lucro, retratando o homem simples como sendo mais barato que um barril de seu produto. No Tio Sam, o filme foi censurado com justificativas de antiamericanismo.



Por fim, desejo frisar algo que percebi em minha pesquisa para essa análise. O nome original do filme é "Le Salaire de la Peur", certo? Praticamente em todos os países em que foi lançado o título foi traduzido literalmente. The Wages of Fear, El Salario del Miedo. Até mesmo em russo: Плата за страх (Sendo cmpax, medo em russo). O motivo é bastante claro, ressaltar a palavra MEDO, sentimento este que todos os protagonistas sentiram, e quem sabe, até mesmo os espectadores. Fiquei surpreso pelo Brasil não ter traduzido o título para algo totalmente diferente do original como é de costume por aqui. Provavelmente este filme se chamaria: "As Fantásticas Aventuras dos Quatro Caminhoneiros na Terra de Guadalupe", mas tivemos sorte.

Concluo, meus caros, que O Salário do Medo realmente merece ser apreciado. Serão 150 minutos muito bem aproveitados. Para nossa geração, que está acostumada com incríveis efeitos especiais, O Salário do Medo pode parecer um filme ignóbil. Não é o caso. Precisamos nos colocar na época em que o filme foi realizado. Acreditem, a perspectiva da crítica transforma-se totalmente. 

Nota: 10

        Os verdadeiros heróis são aqueles que geralmente não lembramos os nomes.

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