Vidocq (2001)

Olá, meus caros.
               
Inúmeros fatores (Estes, por sua vez, bastante peculiares) levaram-me a selecionar Vidocq como o próximo filme analisado. Creio que o mais relevante deles consiste na ausência de reviews margeando o gênero da ficção científica que tal filme pertence: o SteamPunk.
               
Antes de iniciar a análise do filme em si, irei explicar um pouco da história do Steampunk.
           
Por favor, situem-se neste contexto: Inglaterra; Revolução Industrial; Máquinas a Vapor. Tudo certo até aqui? Bom... Todos nós sabemos que as máquinas a vapor entraram em decadência à partir da invenção da eletricidade. No Steampunk é justamente o inverso. O vapor (Steam em inglês) é a base para toda a aparelhagem industrial e até o mais simplório dos itens domésticos. O quadro geral é este: tudo gira em torno do vapor. Contudo, existe um oceano de especificidades dentro desse gênero (Vidocq enquadra-se em um deles).

Na Era Vitoriana o apreço pela qualidade era absurdo. Tudo era produzido com o melhor dos materiais, desde as melhores madeiras (Muitas árvores derrubadas... Bem, tudo pelo "desenvolvimento", né?) para os móveis e ferramentas, até o exacerbado uso de ouro (Diga-se de passagem, ouro brasileiro) nas joias e instrumentos científicos. Abrindo o leque, podemos denotar que certas palavras, como cartolas, cachimbos, engrenagens e magia, nos auxiliam a imergir melhor nessa atmosfera steampunkniana. Anacronismos tecnológicos também são usuais.
             
Júlio Verne foi um dos precursores desse gênero. Vinte Mil Léguas Submarinas, publicado em 1870, e Volta ao Mundo em 80 Dias, publicado em 1873, são consideradas as primeiras obras Steampunk (Tal termo, contudo, só seria cunhado em 1987). Hugo Gernsback (Lembra do maior prêmio da ficção cientifica, o Hugo Award? Uma homenagem a tal escritor), H.G. Wells e H.P. Lovecraft, através da ficção especulativa característica de seus escritos, lapidaram melhor os preceitos do steampunk durante a primeira metade do século XX. Ressalto o quão híbrido esse gênero se tornou. Seja no horror, no Velho-Oeste ou com temáticas retro-futuristas, o steampunk ganhava espaço.
          
No cinema, somente na década de 90, cineastas começaram a realizar trabalhos consistentes em torno do conteúdo steampunk. É aqui que Vidocq entra em cena, meus caros.

Olhar em sua máscara era como perder a própria alma...
Maus agouros...
França. 1830. Um famigerado assassino mascarado, conhecido apenas como "O Alquimista", está raptando moças virgens para algum tipo de experimento macabro. O motivo? Ninguém sabe ao certo. 

A investigação deste caso estava nas mãos de Vidocq, o melhor detetive do mundo, e de seu parceiro Nimier. Por infortúnio, Vidocq é morto pelo Alquimista na primeira cena do filme. Com isso, fica a cargo de Étienne Boisset, o biógrafo de Vidocq, com o auxílio de Nimier, descobrir quem é o Alquimista e fazer justiça ao nome do grande detetive. 

Esse é o quadro geral da estória, que por sua vez, é apresentada nos primeiros 10 minutos do filme, todavia, à partir desse ponto, o clima de mistério, intrigas e a clássica investigação à la Sherlock Holmes, rege a cadência da trama. Constantemente, novas informações são trazidas a luz, que culminam em um desfecho (Fazendo jus ao gênero) fantástico.

Briga! Briga! Briga! Briga!

Como pode-se ver, o enredo é bastante imaginativo (Um ponto por isso...), todavia, ele é baseado na figura histórica de Eugène-François Vidocq, verdadeiramente o maior detetive do mundo. Nascido na vila de Arras, França, no ano de 1775, criminoso por natureza, Vidocq tornar-se-ia informante da polícia, e mais tarde, ele próprio, um oficial da polícia francesa. Mais tarde fundaria a primeira agência moderna de detetives, sendo ele próprio, o primeiro detetive particular do mundo. Conhecido como mestre da vigilância e do disfarce, foi inspiração para inúmeros escritores do ramo fantástico (Dentre eles Sir Arthur Conan Doyle para criar o já mencionado Sherlock Holmes). 

Modernizou a criminologia como nunca fora visto antes. Foi criador do cartão para as digitais, usado, à partir daqui, como ferramenta policial no mundo inteiro, foi o primeiro a usar balística no trabalho policial, o primeiro a oficialmente usar as pegadas na cena do crime como provas, foi criador (E até hoje sua família possui a patente de tais invenções) da tinta indelével e do papel sulfite inalterável... E, depois de aposentar-se, escreveu suas memórias, que por sua vez, tornou-se best-seller e o ajudou a definir sua própria notoriedade como a do maior detetive da história. 


O já imortal Gerard Depardieu, em seu 116º filme, dá vida a Vidocq em todo seu esplendor. Felizmente, tal filme foi filmado em francês, e como já sabemos, assistir Depardieu atuando em sua língua natal é um verdadeiro privilégio. É digno de salientar-se as cenas de luta (Acrescento: são muitas!), que por incrível que parece, foram excepcionalmente bem interpretadas por Depardieu.


Onde estão os bolinhos? 
(Acho que só os fãs vão entender essa)

Nimier, o parceiro de Vidocq, foi interpretado por Moussa Maaskri. Da mesma forma uma bela atuação. Distorção : uma palavra que define bem esse personagem. Alcoólatra, rabugento, fiel e inteligente. Contradições à flor da pele, não é mesmo? Nunca sabemos ao certo o quê Nimer está pensando, todavia, essa é a beleza do personagem.

Vidocq: Onde estão as bebidas da festa, Nimer?
Nimier: Je ne sais pas!

A dupla dinâmica francesa

Guillaume Canet interpreta Étienne Boisset, biógrafo de Vidocq que deseja acima de tudo encontrar o Alquimista e vingar a morte de seu ídolo.


Por fim, temos a espanhola Inés Sastre interpretando Préah, uma excepcional dançarina que acaba se envolvendo na trama. Os tons de sensualidade do filme ficam todos por conta dessa belíssima atriz.

Meu Deus. Dio Mio. Mon Dieu.

Vidocq foi o primeiro filme dirigido por Pitof, que por sua vez, é conhecido mundialmente por suas colaborações nos efeitos especiais de filmes como "Delicatessen" de 1991, "The City of Lost Children" de 1995 e o excepcional "Alien: Ressurection" de 1997, todos esses filmes, por sua vez, foram dirigidos por Jean-Pierre Jeunet, seu amigo de longa data. 

Pitof abriu mão de envolver-se no perfeito "Amélie" para dirigir Vidocq. Apesar do presente filme ser extraordinário, será que valeu a pena? É incrível quando paramos para pensar que o segundo filme dirigido por Pitof foi o infame "Catwoman" de 2004. É, meu caro, aquele mesmo com a Halle Berry... Muitos dizem que Pitof destruiu Hollywood depois dessa porcaria. Eu digo o contrário: Hollywood destruiu Pitof! 


Os grandes estúdios adoram importar diretores estrangeiros, já de certo renome, para a realização de suas mega-produções, contudo, eles tiram toda a liberdade de criação dos diretores e desenvolvem o que eles querem. Filmes assim, são dirigidos mais pelos megas produtores do que pelos coitados diretores. 


O passado de Pitof nos efeitos especiais é latente, isso é inquestionável, mas percebi que seu trabalho em relação a interação e com o elenco é consideravelmente fraco. É difícil sentir interesse em colocar sua marca, se é que ela existe, na atuação dos atores. Entretanto, graças ao talento do elenco de Vidocq isso não chega a ser um problema, mas está claro que Pitof prefere trabalhar com computadores do que com pessoas...

Found you!

Ao contrário do que George Lucas gostaria que você pensasse, foi Vidocq, e não "Star Wars: Ataque dos Clones" (2002), o primeiro filme teatral a ser filmado inteiramente digitalmente. Como Pitof era um artista de efeitos especiais, decidiu filma-lo dessa maneira, pois, a pós-produção necessitava uma carga massiva de manipulação digital. Considerando o orçamento do filme, tal estratégia funcionou com excelência. O filme possui 800 cenas modificadas digitalmente no decorrer de 8 meses, pelo custo de € 20 milhões. Posso destacar a atenção que foi dada no CGI da máscara do Alquimista, que foi sem dúvida inspirada na ideia do também francês Georges Franju em seu filme "The Eyes Without a Face". A protagonista desse célebre filme, Edith Scob, também usa uma máscara, e em Vidocq ela possui um irrisório, mas interessante papel. O filme como um todo, possui cores muito vívidas, favorecendo de tal forma, o vermelho, amarelo e verde (Opa! Alguém lembrou de Amélie?). Os cenários são uma mistura de realidade e truques digitais, geralmente eles parecem extremamente diferentes dos cenários hollywoodianos que estamos acostumados. Os efeitos especiais foram realizados pela equipe de Pascal Giroux ("The Messenger: The Story of Joan of Arc"). Um dos objetivos de Pascal foi fazer com que os CGIs ajudassem a contar a estória, e não que simplesmente se sobressaíssem esporadicamente não decorrer do filme. A França do século XIX, chega a nossos olhos de uma maneira que é ao mesmo tempo estranhamente surreal e bela.

A edição foi (Em partes...) uma das únicas críticas de Vidocq. Editado de maneira moderna, a cadência das cenas é extremamente rápida, com vários close-ups no rosto dos protagonistas. Muitos não gostaram desse estilo frenético de edição, pois, os cortes supostamente pareciam desnecessários (O que na minha opinião, não é o caso...), e as cenas se tornaram mais difíceis de serem assimiladas. Eu percebi que a edição enérgica fez com que as cenas transcorrecem mais facilmente entre o presente e o passado, uma vez que, o filme é contado com a ajuda de flashbacks, mantendo assim, um maior interesse dos espectadores. Vidocq foi comparado, por um crítico francês, ao filme Seven (Igualmente excepcional!). Espectadores que desfrutam muito da lógica talvez não se interessem por Vidocq. Quando eu relaciono a edição com os efeitos especiais e as escolhas das cores, fica claro, pelo menos para mim, que a intenção dos criadores foi fazer Vidocq assemelhar-se a um "quadro em movimento". Vidocq é uma nova aproximação ao lado visual da cinematografia, que, por infortúnio, atualmente não é usado com maior consistência.


Também desejo salientar a beleza dos cenários do filme, em especial o maravilhoso chão espirográfico presente em uma das cenas. As praças, campos abertos e palácios... Tudo é uma experiência visual arrebatadora!





Vidocq foi promovido como sendo um filme de terror, é possível que vocês o encontrem rotulado dessa maneira, contudo, ele é sem dúvida um thriller investigativo com elementos de fantasia (Tá... Um pouquinho de terror também!). No início dos anos 2000, a França começava a entrar nessa esfera de filmes: Terror com elementos de fantasia. Talvez o filme mais famoso dessa época seja "O Pacto dos Lobos".

Vidocq: É terror!  -  Nimier: Não é!
Vidocq: É terror!!!   -   Nimier: Não é!!!
Concluo, meus caros, recomendando veementemente Vidocq. Um marco no cinema de fantasia! Somente pela experiência visual já será recompensador. Obrigatório para os fãs de Depardieu.

"O objetivo não é a imortalidade, mas a perpetuação imortal da beleza! A Arte!" O Alquimista

NOTA: 8.5

Au revoir

Um comentário:

  1. Parabéns pela análise desse filme que pra mim é uma obra prima cinematográfica!

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